segunda-feira, 20 de abril de 2009

Tarrafal - Campo da Morte Lenta


Feliz daquele que herda de seus pais o conhecimento da história que muitos tentam apagar...

...Esta narrativa, vivida e contada por um dos trezentos prisioneiros do campo de concentração do Tarrafal, ficará como um dos capitulos do volume a escrever sobre a dominação do fascismo português. Não houve que recorrer a efeitos literários para avantajar o trágico dia-a-dia daqueles que quiseram cumprir o mandato de emancipação do seu povo e lutaram com destemor, aguerridos e heróicos contra a mais vil reacção sofrida alguma vez sob o sol de Portugal.
A singeleza das palavras, o desordenado do discritivo, bastam, mesmo assim para dar testemunho eloquente desta sombra sinistra que entenebrece a alma das mães, das noivas e das crianças, desde os vergéis do Minho às praias do Algarve, das serranias das Beiras à planicie imensa do Alentejo.
Não se sabe já sorrir em Portugal. Anda nos rostos e nos gestos o ferrete do sofrimento, da fome e do ultraje, marcado da maneira mais profunda pelos organizadores da espoliação nacional.
Nunca como agora, nesta curva angustiosa da história dos povos, o Estado foi tanto "o instrumento nacional da guerra do capital contra o trabalho". Nunca como agora morreram tantos portugueses abandonados à miséria, para que uma minoria acumule nos bancos o produto do trabalho esforçado de uma nação inteira. Nunca como agora se cometeram tantos assassínios no seio de uma classe, para que a outra melhor possa expandir-se e dominar.
Aljube, Caxias, Peniche, Angra. Roteiro monstruoso de violências e crimes. Depois lá mais longe, como a peça mais preciosa dessa máquina de torturas e de mortes, O TARRAFAL, no atlântico, no Mar que os nossos marinheiros ofereceram ao mundo, para que os homens de todos os meridianos melhor se encontrassem e compreendessem, está Santiago. E é aí nessa ilha, onde os nativos morrem sem pão, porque a terra se recusa a dar-lho, onde os nativos morrem minados de sezões, porque o clima é hostil a toda a vida humana, que se encarceraram trezentos portugueses insubmissos e valentes, erguidos para a luta contra o fascismo salazarista...

...O campo de concentração do TARRAFAL é um rectângulo de arame farpado, exteriormente contornado por uma vala de quatro metros de largura e três de profundidade. Tem duzentos metros de cumprimento por cento e cinquenta de largo e está encravado numa planície que o mar limita pela poente e uma cadeia de montes por norte, sul e nascente. Dista três quilómetros da vila do Tarrafal, na ilha de Santiago.
A falta de vegetação, os montes escarpados, o mar e o isolamento a que os presos estão submetidos, dão à vida, aí, uma monotonia que torna mais insuportável o cativeiro. Como únicos vestígios do mundo há o ar carrancudo dos guardas e das sentinelas negras que vigiam, as cartas das familias que demoram meses a chegar, e dias a ser distribuidos, os castigos e os enxovalhos, os trabalhos forçados as doenças e a morte de alguns companheiros...
...O fosso que circunda a Colónia Penal tem a configuração de rampa. Com a terra tirada daí formaram um talude que se eleva a três metros de altura acima do nível do campo. A cada canto desse talude, sobre o qual há uma plataforma por onde passeiam as sentinelas negras, foi construido um reduto, onde pode ser instalada uma metralhadora. Dum lado e outro do portão de entrada erguem-se dois poderosos fortins. Eles defenderão o campo dum assalto exterior ou de uma possivel tentativa de fuga. Uma ponte de madeira atravessa o vale nesta direcção. É a unica passagem que conduz à vida.
Lá dentro há apenas quatro barracões sem higiéne, algumas barracas de madeira, nas quais estão instaladas as oficinas e o balneário, uma cozinha, sem condições de asseio, e algumas árvores.
Eis tudo o que forma este pequeno mundo...

texto retirado do livro:

"Tarrafal, Campo da Morte Lenta" - Pedro Soares.
activista anti-fascista preso durante 12 anos, torturado numerosas vezes.

Era assim Portugal, antes do 25 de Abril de 1974
NÃO APAGUEM A MEMÓRIA...


1 comentário:

amor de uma mae disse...

Não podemos nem devemos apagar a memória
como diz a musica de Sérgio Godinho
SÓ HÁ LIBERDADE A SÉRIO
QUANDO HOUVER LIBERDADE DE MUDAR E DE DECIDIR
QUANDO PERTENCER AO POVO O QUE O POVO PRODUZIR