segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Sociedade

Na sociedade dos ricos,
Forçado pela vaidade,
Há quem faz do cu três bicos
P'ra entrar na sociedade.

Mas que inteligência rara!
E julgas-te uma competência!
Nem sei como tens cara
P'ra ter tanta inteligência!

Doutores nobres e ricos,
Homens de grandes valores!...
As criadas – aos penicos,
Também lhes chamam "doutores"!

Uma mosca sem valor
Poisa, c’o a mesma alegria,
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.

A rica tem nome fino,
A pobre tem nome grosso;
A rica teve um menino,
A pobre pariu um moço!

Riem-se d'outras com desdém
Certas damas bem vestidas;
Quantas, para vestir bem,
Se despem às escondidas!

Quantos moços elegantes
Vestem com todo o esmero!...
No vestir são uns gigantes,
No saber não valem zero.

Fazem a mesma figura
Homens que vestem bons fatos;
Quando lhes cheira a gordura,
Caem também como os ratos.

Se o hábito faz o monge
E o mundo quer-se iludido,
Que dirá quem vê de longe
Um gatuno bem vestido?

A rica tem nome fino,
A pobre tem nome grosso;
A rica teve um menino,
A pobre pariu um moço!

Neste mundo, onde sobejam
Os homens de pouco siso,
Talvez os malucos sejam
Os que têm mais juízo.

É menos parvo, a meu ver,
O que o é, sem que se veja,
Do que aquele que, sem o ser,
Se faz parvo, sem que o seja.

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

Num mundo de imperfeições,
Aos tortos chamam direitos,
E aos poucos que são perfeitos
São tidos por aleijões...


Letra: António Aleixo (quadras avulsas extraídas de "Este Livro Que Vos Deixo", Lisboa: Vitalino Martins Aleixo, 1969)

1 comentário:

nêspera disse...

Embora os teus olhos
sejam os mais pequenos do mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Bjis :)