..." Nenhum coronel ou doutor do SNI e da SEIT valorizou o património das Artes, das Letras, do Jornalismo, das Ciências, das Técnicas. Restou-lhes a «glória» de inimigos da criação estética, do espirito crítico, do progresso do raciocínio e da acção, da coragem de dizermos o que somos e o que desejámos como cidadãos e como povo. Foram 48 anos a olhar para o lado antes de falar e a medir com fita métrica as palavras antes de as escrever ou proferir. Era-se condenado por acreditar na existência das coisas. os opressores traficavam divisas, através de influências - os oprimidos contrabandeavam palavras-senhas de aviso, imagens-códigos de solidariedade, sons-para-a alvorada da resistência. A intiligência de várias gerações (desde a Europa à Ásia) foi metódica e deliberadamente metralhada por esta organização das trevas, enquanto se marketingavam cartazes de sol para turistas. Se o Ministério da Educação segregava do ensino milhões de pessoas «salvando-as» da alfabetização (eutanásia cultural), a CENSURA encarregava-se de filtrar, sanitarizar os alfabetizados.
A CENSURA era um preservativo do «velho regime». Os sintomatólogos oficiais relatorizavam o país como bacteriamente puro, radicalmente esterilizado, profilacticamente imunizado.
«Não havia» EXAME PRÉVIO. Nem presos politicos. Nem suicídios. Nem barracas. Nem cólera. Nem aumentos de preços. Nem abortos. Nem guerra. Nem hippies. Nem greves. Nem droga. Nem gripes. Nem homossexuais. Nem crises. Nem massacres. Nem nudismo. Nem inundações. Nem febre amarela. Nem imperialismo. Nem fome. Nem violações. Nem poluição. Nem descarrilamentos. Nem tifo. Nem Partido Comunista. Nem fraudes. Nem poisos extra-conjugais. Nem racismo.
E os governantes (impávidos, serenos, luminosos) não viajavam, não adoeciam, não sofriam acidentes de viação, não comiam, não improvisavam e, quando eram exonerados, faziam-no sempre a «seu pedido». Era o país-ficção contra a evidência do país-real.
Tudo observado e classificado no mundoscópio da CENSURA. Os selectores da reflexão do Universo em Portugal, os gestores do «idioma pátrio», nada isentavam do crivo das peneirações (manipulações). O radar dos coroneis acompanhava as rotações dos cosmos. Nada lhes escapava, desde Prémios Nobel a algas, desde bailes a missas, desde gasolina a leite, desde emigrantes a pugilistas, desde o Pravda ao New York Times, desde orgias embuçadas dos ministros do Reynno ao flirts ambulatórios de Kissinger, desde a energia nucler às bandas de música, desde as convocatórias dos Sindicatos às oratórias da «Assembleia Nacional», desde raptos de embaixadores às visões bíblicas, desde as condecorações às lendas japonesas, desde os empréstimos dos «aliados» às despesas com as tradições heróicas, desde os cortes de cabelo às tarifas da Carris, desde as barretinas de generais aos barretes dos cardeais, desde Olof Palme a Frank Sinatra, desde a morte de cães a morte de pretos, desde Paulo VI a Brejnev.
Enterros de adversários e correligionários, casamentos e aniversários de amigos, eleições em Itália, brinquedos de Espanha, manifestações no México, almoços na Africa.
Os coronéis eram omniscientes e omnipotentes e tutelavam Jornalistas, Escritores, Musicos, Comerciantes, Industriais, Bispos, Reformados, Trabalhadores, Estudantes, Profissionais Liberais, e até as almas do outro mundo.
A CENSURA, denominada (com malícia farisaica) Exame Prévio nos derradeiros anos do marcelo-salazaricídio abrangia, assim, não só a esfera politíca, mas igualmente os mais recatados poros da Nação e do Globo Terrestre. O censuricídio utilizava técnicas de amestração, algumas já testadas pelos redutores de cabeças, aramefarpizando os Jornais, a Rádio, a Televisão, as Livrarias, as Discotecas, os Museus, as Escolas, as Salas de Conferências.
A CENSURA foi a parra, o tapa-sexo de um regime, cujo pudor ocultava as insaciáveis aberrações das suas partes baixas".
In: Os Segredos da Censura - César Principe - Editorial Caminho Maio 1979Não apaguem a memória
25 de Abril Sempre ! Fascismo Nunca Mais !
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